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O modelo escolar de formação de professores no Espírito Santo: uma instituição em transição no século XIX

Omar Schneider

Resumo: O estudo é parte da tese A circulação de modelos pedagógicos e as reformas da instrução pública: atuação de Herculano Marcos Inglês de Sousa no final do Segundo Império e opera com o conceito de representação desenvolvido por Roger Chartier (1990) para compreender as formas pelas quais a realidade é construída por seus atores. Possui como objetivo a análise do processo de constituição do modelo escolar de formação de professores na Província do Espírito Santo da década de 1830, momento em que as Assembléias Províncias passam, com base no ato adicional, de 1834, a legislar sobre a instrução pública, à década de 1870, momento em que efetivamente uma escola normal foi criada na capital da província para a formação de professores para as escolas de primeiras letras. A investigação utiliza como fontes os relatórios dos presidentes que assumiram a gestão da Província do Espírito Santo, e que por meio de diversas reformas da instrução pública focalizaram a necessidade de formar professores para o ensino nas escolas da região do Espírito Santo.

Palavras-chave: Instrução pública. Modelo escolar. Espírito Santo.

 

Introdução

O estudo procura analisar os projetos e as representações que foram mobilizadas em torno da necessidade de formar professores para as escolas de primeiras letras na Província do Espírito Santo em um período entre as décadas de 1830 e 1870, para compreender a transição que o modelo escolar de formação de professores sofreu durante o século XIX, as disputas entre modelos, os processos de apropriação e de testes das propostas de formação docente. Para tanto, utiliza-se os relatórios produzidos pelos presidentes de província como meio para ter acesso as discussões realizadas na assembléia provincial, instituição responsável em fazer leis relacionadas instrução pública e legislar sobre elas a partir da década de 1830.

Para analisar os debates a respeito das propostas de um modelo escolar de formação de professores, faz-se uso do conceito de representação coletiva. Para Chartier (1990, p. 17), “[…] as lutas de representações têm tanta importância quanto as lutas econômicas para a compreensão dos mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, sua concepção de mundo social, seus valores e seu domínio”.

O exame dos debates realizados nas assembléias de deputados provinciais pode revelar muito sobre as formas de organização discursiva utilizadas em determinado período da História. Os debates podem indiciar os modos como os homens públicos projetavam a sociedade, sobre as apropriações/transformações e usos que faziam das informações/representações, em situações determinadas, do que estava circulando entre uma comunidade letrada. Nesse sentido, os discursos proferidos por esses homens que habitam estrategicamente locais de poder não podem ser compreendidos apenas como exercício de uma retórica vazia, ou de diletantismo. Pelo contrário, os discursos são cheios de sentidos e informam sobre as lutas de representação, sobre o modo como eles faziam reconhecer e produziam uma identidade social, como marcavam de modo perpétuo a existência de grupos com formas diferenciadas de classificar, delimitar e articular um modo de impor uma certa concepção do mundo, seus valores e seu domínio.[2]

Os relatórios dos presidentes da Província se apresentam como uma fonte interessante para se compreender o debate educacional, porque guardam algumas características peculiares. Eles são construídos tomando-se por base outras documentações, especialmente as que são enviadas aos presidentes por seus subordinados, os diretores das instâncias administrativas da Província. Assim, essas fontes são uma espécie de bricolagem de vários outros relatórios, os quais o presidente ou vice-presidente em exercício, no momento de deixar o cargo, no fim do ano administrativo,[3] ou ao final do tempo em que esteve ocupando a cadeira da administração, utiliza para relatar à Assembléia Legislativa sobre o desenvolvimento dos negócios da Província naquele período.[4]

Para Resende e Faria Filho (2001), os relatórios eram produzidos por dois motivos: prestação de contas à Assembléia Provincial, quando o presidente deixava o governo ou na abertura da reunião anual da assembléia de deputados.

Utilizar os relatórios dos presidentes de província como fonte, segundo Giglio (2001), demanda perceber que eles são produzidos por uma teia de falas em que a voz do presidente ecoa a voz de outros homens também engajados na administração provincial. Nesse sentido, os relatórios são a materialização de diversos relatos, costurados, organizados de uma forma lógica para fazer saber a outros homens o estágio do governo prático de homens e coisas na Província. São também a forma como o governo central procura controlar as atividades do presidente na província para o qual foi designado. Nesse jogo entre a exposição do que se acredita ser mais relevante informar ao Imperador e seus ministros, existe um hiato, difícil de ser transporto, formado pelo conjunto de procedimentos de cortes, interdições, negociações entre os homens preocupados com a administração da Província, ou seja, entre o que acontece e o que se propõe deixar como registro do acontecimento existe um espaço em branco.

Apesar de a documentação se apresentar como fonte privilegiada para se compreender os debates sobre a instrução pública é necessário reafirmar que tais arquivos não nascem apenas como um exercício técnico ou de diletantismo. É preciso reconhecer que tais fontes não são neutras; são documentos que, segundo Le Goff (2003), constituem-se em monumentos construtores de memória.

Portanto, vale a pena recuperar as reflexões de Le Goff (2003) sobre documento/monumento, para o qual estes nunca são inócuos, mas resultados de montagens, conscientes ou inconscientes, de um passado que se quer preservar. Assim, documento é monumento “[…] resultado do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias” (LE GOFF, 2003, p. 538).

 

Modelos pedagógicos para a formação de professores na Província do Espírito Santo: circulação, apropriação e transformação

Com a fala do presidente da Província do Espírito Santo, do ano de 1838, João Lopes da Silva Couto, pôde-se perceber que tanto a formação do professor, quanto as características que esse deveria apresentar passam a ser tema insistente nos relatórios dos presidentes da província. No caso do relatório apresentado no ano de 1838, entre algumas considerações do estado da instrução pública, avalia o presidente que, em relação ao ensino primário, a situação era muito ruim, pois somente existia na Província uma escola de primeiras letras, que funcionava como “[…] huma [aula] de ensino individual que […] [era] frequentada por 181 meninos” (COUTO, 1838, p. 9), a outra aula, aberta para meninas, não havia conseguido professora que a assumisse. De acordo com o presidente da Província, “[…] he sabido que não só n’esta Provincia como também em quasi todo o Imperio, a educação da mocidade tem sido abandonada e confiada a pessôa menos habilitadas para tal cargo, salvas as justas excepções”.

Para contornar esse problema, João Lopes da Silva Couto aponta à Assembléia Provincial a necessidade urgente de aumentar o ordenado dos professores para que a função se tornasse mais atraente. Propõe também que fossem enviadas à Província do Rio de Janeiro pessoas que se interessassem pelo Magistério primário a fim de se preparar na Escola Normal da Corte. Quando concluíssem o curso, deveriam retornar para a Província e assumir as cadeiras da instrução pública da Capital e das vilas. Não se cogita a instalação de uma instituição para a formação dos professores na Província. A solução mais simples seria deslocar estudantes da cidade de Vitória para instituições que já oferecessem o curso normal. Dois anos depois, outro presidente da Província volta a reclamar das dificuldades em se abrir uma segunda escola de primeiras letras na Capital.

 

[…] he grande necessidade a creação de outra Escola de Primeiras Letras nessa Capital: não se póde esperar algum adiantamento da mocidade havendo huma só Aula, e sendo frequentada por 180 alumnos, conforme a relação apresentada pelo Professor. Observo que alguns com a idade de 15 e 16 annos, e tendo9 e 10 annos de escola ainda não estejão prontos; outros ha que frequentando a aula perto de 5 annos apenas soletrão. Este atraso denota que o Professor não póde dividir sua attenção por todos (OLIVEIRA, 1840, p. 9).[5]

 

No ano seguinte, ainda como presidente da Província, José Joaquim Machado de Oliveira resolve que, para sanar a falta de professor para ocupar a segunda cadeira do ensino primário, enviaria para a Capital do Império um jovem chamado Manoel Ferreira das Neves, o qual teria os estudos financiados pela Província, a fim de adquirir “[…] as habilitações necessarias, não só dos principios instructivos, como do modo de os practicar” (OLIVERIA, 1841, p. 13). De acordo com o presidente, ao voltar, já capacitado com as habilitações adquiridas na Escola Francisco Crispiniano Valdetaro (para onde o estudante tinha sido enviado), assumiria a cadeira de primeiras letras da Capital e procederia à reforma do método até então utilizado.[6]

Decorre algum tempo sem que se volte, nos relatórios dos presidentes da província, a discutir sobre a necessidade de formar professores. Somente na gestão de Luiz Pedreira do Couto Ferraz, em 1848, é que se aborda novamente a questão da necessidade de se pensar na formação dos professores que atuavam nas escolas de primeiras letras, mas apenas para avaliar que a situação era precária. A solução para a melhoria da instrução pública, para o presidente, era aumentar a fiscalização, estratégia que, segundo ele, garantiria o bom trabalho do professor. Prescreve também formar professores com base nas experiências dos professores adjuntos.

Em 1852, ao relatar sobre a Instrução Pública, o presidente da Província, José Bonifacio Nascentes de Azambuja, como seus antecessores, qualifica de desanimador o estado da instrução pública. De acordo com Azambuja (1852), muitos eram os fatores que concorriam para esse estado e, entre eles, estaria a

 

[…] falta de pessoas habilitadas para o ensino; poucos são os professores que possuem os predicados precisos para poderem com vantagem exercer o magisterio. Esta causa com difficuldade e só com o tempo poderá ser removida, pois que depende de estudos que a Provincia não oferece, e nem podem ser procurados em outra parte pela defficiencia de meios dos seus habitantes; resignemo-nos pois á nossa sorte (AZAMBUJA, 1852, p. 27-28).

 

Com as dificuldades para a abertura de uma escola normal na Província do Espírito Santo, um caminho apontado por alguns dos presidentes foi que, com a abertura do Liceu da Vitória, em 1854, pudesse se formar, além de alunos aptos a ingressar nos cursos superiores do Império, também professores para o ensino nas escolas de primeiras letras. No ano seguinte à inaugurarão da instituição, o Barão do Itapemirim, primeiro vice-presidente da Província, faz os seguintes comentários:

 

Pesa-me declarar a V. Ex. que continua a luctar com antigos e graves embaraços este importantissimo ramo da publica administração, sendo os mais salientes a carencia quasi absoluta de pessoal habilitado para o execicio do magisterio, e a incuria, e desmazelo do paes. […] Todavia o Lycêu inalgurado ha pouco mais de anno pelo illustrado antecessor, funcciona regularmente sob a zelosa direcção do Dr. João Climaco d’Alvarenga Rangel, e delle deve a provincia aguarda em parte a remoção d’alguns embaraços, se receber de V. Ex. como devo esperar impulso, protecção, e reformas, que reclama (BARÃO DO ITAPEMIRIM, 1856, p. 19).

 

Apesar da euforia inicial a respeito da possibilidade de suprir a falta de professores para a escola primária, com a contratação dos alunos formados pelo Liceu da Vitória, no ano de 1859, o presidente da Província, Pedro Leão Velloso, constata que o Liceu da Vitória não estava atendendo aos objetivos para os quais foi criado. Comenta o presidente:

 

[…] o Lyceu, que começou em 1854 sob tão felizes auspicios, chegou ao mais deploravel estado de decadencia; como que uma força deleterea mysteriosa e occultamente lhe tem ido, de dia em dia estragando a vida. […] Como está, repito-vos não pode continuar o Lyceu com desperdicio dos dinheiros publicos […] sob condições de proveitosa applicação, de ser empregado em cousa de interesse geral: o contrario é uma verdadeira espoliação. […] Como está, não pode, por forma alguma continuar o Lyceu; e aqui cumpre-me dizer-vos, ainda que esse estabelecimento fosse procurado, pelo modo [como] está organisado, em resultado final, para bem pouco serviria a instrucção ahi bebida, não prestado pra preparar jovens, que se tenhão de dedicar á estudos maiores, nem para dar instrução, que por sí só possa ser proveitosa aos usos da vida (VELLOSO, 1859a, p. 51).

 

A instituição, que havia sido criada para ser um celeiro de professores, não atingiu o objetivo esperado. Desse modo, advoga-se que fosse fechada e, em seu lugar, aberta uma escola de ensino primário. Com o desalento de o Liceu não ter produzido os frutos esperados, Pedro Leão Velloso declara que, para esse fim, era necessário buscar um meio para formar os professores da Província. De acordo com ele: “[…] para esse fim dous são os meios adoptados – Escolas normaes e Instituição de professores adjuntos” (VELLOSO, 1859a, p. 50).

Em seu relatório de 1860, quando da entrega da cadeira de presidente da Província ao comendador José Francisco de Andrade e a Almeida Monjardim, segundo vice-presidente, Pedro Leão Velloso mostra-se amimado em relação à instrução pública na Província do Espírito Santo, pois havia criado uma instituição capaz de oferecer a formação necessária aos futuros docentes do Magistério primário. Assim se pronuncia no relato:

 

[…] com o fim de habilitar gente para o professorado foi por authorisação da assembléa provincial, creada na capital uma especie de escóla normal, cuja direcção tive de confiar ao Dr. José Ortiz, professor de francez no Lyceu, em quem não faltando conhecimentos para elevar a missão da que foi encarregado á devida altura, sobra verdadeira vocação e fervorosa dedicação para o ensino e educação da mocidade; o pensamento, que presidio a creação da escola ainda não foi de todo realisado, não obstante, ella vai produzindo fructos, como o demonstra o augmento de disciplulos que appresenta a aula. como V. Ex. verá do respectivo mappa annexo, os pais procurão a escola com a confiança de que lá seus filhos encontrarão os idoneos alimento para o espirito e para o coração; consta-me que o Dr. Ortiz prepara um methodo facil para ensinar a ler (VELLOSO, 1860b, p.18).

 

No ano de 1861, quando o presidente da Província do Espírito Santo, Antonio Alves de Souza Carvalho, transfere a administração para o primeiro vice-presidente, João da Costa Lima e Castro, faz os seguintes comentários:

 

[…] em virtude da lei provincial n.º 14 de 14 de julho de 1859 e resolução da presidencia de 5 de setembro do mesmo anno, foi encarregado de reger a 2.ª cadeira do ensino primario desta capital o Dr. José Ortiz, o qual tem intelligencia superior ás funcções, que exerce com zelo, filho de uma vocação especial. São obrigados, na forma das disposições citadas, a frequentar essa cadeira as pessoas que se destinão ao professorado (CARVALHO, 1861, p. 7).

 

Mas quem era o professor José Ortiz para receber tal incumbência? Lendo o relatório de 1857, produzido pelo Barão do Itapemirim, então primeiro vice-presidente da Província do Espírito Santo, fica-se sabendo que o professor José Ortiz[7] tinha sido contratado primeiramente para integrar o corpo docente do Liceu da Vitória, no qual regeria, como professor interino, as cadeiras de Francês, Geografia e História. Mas, com o fechamento do Liceu da Vitória,[8] ele passou a lecionar na segunda cadeira de primeiras letras da Capital, denominada de Colégio do Espírito Santo, que também passou a funcionar como uma espécie de curso normal, em que os pretendentes ao Magistério passariam a assistir às suas aulas para se habilitarem à docência, não como alunos, mas assistentes, ou seja, adjuntos.

Sobre o método de ensino que o professor José Ortiz havia preparado para facilitar o ensino da leitura, não são fornecidos maiores detalhes nos relatórios. Como é possível perceber no relato do presidente da Província, Luiz Antonio Fernandes Pinheiro, em 1869, a forma como o professor João Ortiz havia combinado os métodos, individual, mútuo e simultâneo, para ele era de muita pertinência. Declara no relatório: “O methodo de ensino adoptado pelo respectivo professor, e por mim approvado é o eccletico ou mixto, isto é ahi acham-se dando as mãos o methodo individual, o simultaneo e o mutuo. Acho que desta alliança de methodos só pode resultar o bom aproveitamento dos alumnos” (PINHEIRO, 1869, p.12). Reconhece também que os professores da Província já estavam fazendo uso do método simultâneo nas escolas de ensino primário, mas não estava surtindo o efeito esperado. Por isso, acredita que o melhor seria que se fizesse a combinação de métodos. A experiência realizada pelo professor João Ortiz demonstrava que um método eclético era possível.

Como foi descrito, em 1860, Pedro Leão Velloso inaugura, segundo suas palavras, uma espécie de escola normal que, na verdade, era a segunda escola primária da Capital, a qual foi confiada ao professor João Ortiz, lente da cadeira de Francês do Liceu da Vitória. Pelo relato do presidente, a instituição foi estruturada com base no modelo da formação dos professores adjuntos com freqüência obrigatória para todas as pessoas que tivessem interesse no Magistério primário.

Nessa escola de formação de professores adjuntos, não existiam matérias a serem cursadas com a finalidade da habilitação ao ensino primário. Nesse modelo de formação, os aspirantes ao Magistério se comportariam como aprendizes, como se fizessem parte de uma corporação de ofícios, em que aprenderiam, por meio da observação de um mestre mais experiente e por intermédio de lições práticas. Modelo este denominado, por Villela (2002), como artesanal. Segundo a autora (2005), a situação de uma escola normal com apenas um professor era muito comum, mas dessa situação alguns inconvenientes eram esperados: a instituição somente podia atender a um número restrito de alunos, os conteúdos eram rarefeitos, o processo de formação era demorado, uma vez que os alunos eram preparados individualmente até que se considerasse que estavam prontos para os exames. O resultado era um grande número de desistências de alunos, mesmo havendo, em alguns momentos, incentivos financeiros por parte da administração provincial.

No relatório do vice-presidente da Província, Eduardo Pindahiba de Mattos, em 1865, descrevendo suas viagens pelo Espírito Santo, ele comenta que foi possível encontrar professores que mal sabiam ler, soletravam com sofrimento e possuíam quase nenhum conhecimento sobre a gramática. Reportando-se à Assembléia Provincial, prescreve que a única solução era a criação de uma escola normal para formar os professores da Província.

[…] como remedio a esse mal é minha opinião que devereis decretar a creação de uma eschola normal, onde aquelles que se destinão ao magisterio, vão beber a instrucção de que carecem; vão adquirir perfeito conhecimento das materias que têm de ensinar; onde em uma palavra, aperfeiçoando a sua educação intellectual e moral, se habilitem para o exercicio de suas importantes funcções. É este a meu ver o primeiro passo a dar no sentido de melhorar a instrucção publica entre nós. A utilidade das escholas normaes é reconhecida desde meados do seculo passado, tendo-as estabelecido na Allemanha com assignaladas vantagens, e hoje se póde dizer que não ha paiz da Europa onde se cuide seriamente na educação popular, que as não tenha adoptado em larga escala (MATTOS, 1865, p. 52).

Porém o que teria havido com a escola normal presidida pelo professor José Ortiz? Os relatórios dos presidentes da província não fazem menção, mas, pelas informações que o relatório de Mattos (1865) fornece, percebe-se que outras representações sobre a formação de professores já estavam circulando no Espírito Santo, as quais eram incompatíveis com o modelo de formação oferecido nas aulas do professor José Ortiz. A escola normal perspectivada no relatório de Mattos (1865) passa a ser projetada como instituição modelar. Fala-se agora em matérias a serem cursadas, em relação ao que os professores teriam que ensinar, e disciplinamento intelectual e moral para o exercício da função docente.

Entra em jogo, na preparação do professor para a escola primária, um outro modelo que possui como referência as instituições que haviam sido organizadas com a finalidade de modelar a prática docente. Não vendo, na Província, nenhuma instituição que cumprisse a função de formar o professor, pergunta o presidente Eduardo Pindahiba de Mattos a Assembléia: o ensino primário possui por missão instruir

 

[…] mas como fazel-o, se não for elle [o professor] instruido e bem educado, e que seja mesmo essa sua instrucção e educação superior a que tem de transmitir á seus discipulos? Mas querendo-o, onde poderá elle aqui habilitar-se, como adquirir esse gráu de instrucção de que carece? A eschola normal preencherá esse fim. Estabelecida ella, e imposta a sua frequencia como condicção aos que aspirarem ao magisterio; prohibido expressamente por uma lei, que jamais se admita a concurso, ou que nomêie interinamente para este serviço quem não provar ter frequentado, por espaço nunca inferior a um anno, a eschola normal, que em pouco tempo encontraremos pessoas habilitadas para o desempenho desta importante taréfa (MATTOS, 1865, p. 53).

 

Somente em 1869, é que, nos relatórios dos presidentes da província, volta-se a tocar na necessidade de uma escola normal para a formação dos professores. Em relatório anexo ao do presidente da Província, Luiz Antonio Fernandes Pinheiro, Tito da Silva Machado, diretor-geral da instrução pública, reclama da falta de “[…] uma aula normal, ou casa que com ella se pareça, e de algum modo a substitua” (PINHEIRO, 1869, p. 11). Segundo o diretor da instrução pública, sem uma instituição que formasse o professor “[…] andaremos […], sem a menor esperança de melhora, e portanto, de uniformisar em todas as aulas o meio pratico de ensinar as 1.as lettras” (PINHEIRO, 1869, p. 11).

 

Como conhecedor da situação da instrução pública na Província do Espírito Santo, Tito da Silva Machado diz achar urgente “[…] a creação de uma aula normal ou cousa que a substitua, onde vão habilitar-se aquelles que se destinam ao professorado” (PINHEIRO, 1869, p. 16). Para suprir essa urgência, indica a criação das aulas em uma escola já estabelecida na Província. De acordo com seu ponto de vista, isso seria possível de se

 

[…] obter de algum modo, addicionando as aulas do collegio do Espirito Santo, mais uma em que se estudassem os differentes methodos do ensino, e bem assim o novo systema de pesos e medidas. Assim os aspirantes ao professorado, poderiam ali aprender a arithmetica, o francez, o latim, e ficariam mais preparados para o ensino da mocidade (PINHEIRO, 1869, p. 16).

 

Francisco Ferreira Correa, presidente da Província, no ano de 1871, ao se dirigir à Assembléia Legislativa para discorrer sobre suas atividades naquela região, fala sobre o relatório que lhe tinha sido enviado pelo diretor da instrução pública. De acordo com o presidente, no relatório, o diretor da instrução pública fazia-lhe a seguinte proposição:

 

[…] com relação ao collegio ‘Espirito Santo’ diz o digno director geral da instrucção publica, que com o tempo que ha de decorrido, desde a sua installação, e pelo modo porque se acha constituido, parece poder se já asseverar que não trará á provincia os beneficios que delle se devia esperar. Lembra a conveniencia de convertel-o em uma escola normal, em que se ensinem as materias indispensaveis para formar um bom professor (CORREA, 1872, p. 40).

 

Conforme consta do livro publicado para comemorar o centenário da Escola Maria Ortiz (100 ANOS, 1992), o Colégio Espírito Santo, em 1872, foi transformado no Ateneu Provincial, o qual passou a abrigar, em uma de suas salas, a escola normal da Província e a oferecer ao professorado capixaba a formação necessária para atuar no Magistério.

Ao relatar sua administração, em 1873, o presidente da Província, João Thomé da Silva, registra que, entre suas ações para organizar a instrução pública, uma delas foi a criação de uma escola normal para habilitar os candidatos ao Magistério primário, pois considerava que era urgente pensar na formação dos professores. Segundo suas palavras, já era ocasião de começar a ponderar a necessidade de “[…] uniformisar na Provincia a instrucção primaria” (SILVA, 1873, p. 4). Para isso, dois procedimentos eram necessários, tornar a freqüência à escola primária obrigatória e manter na Província uma escola normal. Para ele, de nada valeria uma reforma no ensino, se o professor não estivesse devidamente habilitado.

 

Tenho com effeito para mim, que em pouco importará a legislação e programma de ensino, se a pessoa do professor não fôr devidamente habilitado. É hoje verdade reconhecida, que sem um pessoal moralisado, insttruido, e dedicado ao magisterio publico, não se poderá desenvolver a instrucção. Se quereis instrucção primaria, instrui primeiramente o professor; a creação portando de uma Escola Normal para habitação dos aspirantes ao Magisterio é uma necessidade, que urge satisfazer (SILVA, 1873, p. 4).

 

Atribuía o presidente “[…] a decadência da instrucção n’esta Provincia, pela falta principalmente de habilitações na pessoa dos professores” (SILVA, 1873, p. 4). Pergunta ele aos deputados: “Que confiança poderão inspirar homens arvorados, ao acaso, por uma simples portaria da Presidencia, em professores publicos?” (SILVA, 1873, p. 5). Segundo João Thomé da Silva, não se podia mais pensar em melhorar o ensino primário sem antes enfatizar a formação de professores. Nesse sentido, não era cabível arregimentar professores apenas por nomeação. As qualidades de um professor somente poderiam ser adquiridam em uma instituição modelar. Modelando o mestre, modelar-se-ia também o ensino primário. Em suam palavras:

Para que o professor se eleve ao nivel de sua importante missão, é preciso, que aos conhecimentos, que deve possuir, reúna as qualidades e habilitações especiaes, que não podem ser sufficientemente adquiridas senão em estabelecimentos pedagogicos. O Magisterio não pode continuar a ser, como ordinariamente accontece entre nós: um simples meio de vida, á que occasionalmente se recorre em falta de outro. Cumpre, que pelas condições e importancia, que se ligarem, assuma o caracter de uma profissão especial, á qual somente aspire a capacidade provada (SILVA, 1873, p. 5).

O docente, nas representações que são feitas circular, deve ser professor em tempo integral. Não deve exercer outras atribuições além daquelas que são as do professor. A moralização, disciplinamento e qualidades do mestre devem ser adquiridos em instituição devidamente preparada para essa finalidade. Situação esta muito diferente da que vinha acontecendo na Província ao longo dos últimos 40 anos de projetos, debates e experiências de formação de professores.

Em seu relatório, de 1874, o presidente João Thomé da Silva, em 1874, anuncia que a escola normal da Província já estava funcionando e externa sua satisfação por saber que os problemas da falta de professores habilitados logo seriam apenas lembranças. Declara no seu relatório:

 

ESCHOLA NORMAL

Solemnemente installada, no dia 16 de Junho do corrente anno, em uma das salas do Athenêo Provincial, desde então funcciona regularmente esta Eschola, sendo: para o sexo masculino, junto ao mesmo Athenêo, e para o sexo feminino no Collegio de Nossa Senhora da Penha. Acha-se sob a zelosa e intelligente direcção do Coronel Manoel Ferreira de Paiva. Tratar da importancia e utilidade d’esta instituição, seria repetir o que já tive occazião de dizer-vos largamente. Julgo-me, pois, dispensado de fazel-o. No seguinte quadro vereis o pessoal dos Professôres, e números de alumnos matriculados, d’entre os quaes, trez são do sexo feminino (SILVA, 1874, p. 24).

 

Com base no Quadro 1, a seguir, é possível perceber que o ensino na escola normal começa a atrair alunos e se estruturar conforme uma instituição modelar em que o aluno deveria cursar algumas matérias oferecidas no modelo de cadeiras, regida por um mestre unicamente dedicado àquela função. Não se indica o que era ensinado aos alunos, mas, pela fala do presidente João Thomé da Silva, deveriam ser matérias que garantiriam ao professor não somente as habilidades ao Magistério primário, mas também o seu disciplinamento e moralização.[9] A seguir, a reprodução do quadro apresentado no relatório:

Quadro dos Professôres da Eschola Normal, com o numero de alumnos que frequentão as respectivas aulas no presente anno de 1873.
                Nomes Cathegorias do ensino N.° de alumnos
1

2

3

4

Dr. Florencio Francisco Gonçalves

P.° J. Gomes de Azambuja Meirelles

Dr. Misael Ferreira Penna

Dr. José Feliciano de Noronha Feital

1.ª Cadr.ª do 1.° anno

2.ª  >>     >> 1.°   >>

1.ª  >>     >> 2.°   >>

2.ª  >>     >> 2.°   >>

10

10

Ainda não têm exercicio

QUADRO 1 – CURSO normal oferecido na Província do Espírito Santo em 1873

Fonte: Silva (1874, p. 24).

 

Como é possível observar, o curso não seria realizado em um período inferior a dois anos, tempo em que os alunos deveriam cursar as quatro cadeiras oferecidas na escola normal. Esse fato revela que está se passando no Espírito Santo, em relação à formação do professor, de um modelo artesanal, para outro, denominado, por Villela (2002), como profissionalizante. O que se percebe, mesmo que não estejam indicadas as matérias a serem cursadas, é um aumento dos conteúdos oferecidos à formação do professor da escola primária, o que pressupõe também a homogeneização e o aumento do controle da instrução pública por parte do Estado.

No final do ano letivo de 1874, as cadeiras do segundo ano, do curso normal, ainda não tinham sido preenchidas de forma regular. Informa o vice-presidente da Província, Manoel Ribeiro Coitinho Mascarenhas, ao deixar seu cargo, que os professores foram dispensados por exercerem suas funções por designação do inspetor-geral da instrução pública. Também informa que, no final do ano de 1874, os alunos matriculados na instituição eram oito, sendo quatro do sexo masculino e quatro do sexo feminino.

Domingos Monteiro Peixoto, ao deixar o cargo de presidente da Província, em 1875, relata que as cadeiras do segundo ano, que compunham o ensino normal oferecido no Ateneu Provincial, haviam sido suprimidas e que os professores que ministravam as disciplinas do primeiro ano do curso continuariam a exercer suas atividades docentes na formação de professores. Declara o presidente:

 

Por disposição d’esta Lei os professores de lingua e litteratura nacional, de mathematicas elementares, de Historia e Geographia, e da lingua franceza do Athenêo Provincial, e os de Historia e Geographia, e da lingua franceza do Collegio Nossa Senhora da Penha, leccionão cada um no seu instituto, aos individuos de ambos os sexos, de que tratão os Art,°s 162, 163 e 165 do referido Regulamento, e ficão sujeitos ás obrigações contidas nos Art.°s 33 a 37 do Regulamento de 20 de Maio de 1873 (PEIXOTO, 1876, p. 22).

 

Informa-se também que o número de alunos normalistas havia diminuído radicalmente. No ano de 1875, já não havia alunos do sexo masculino matriculados no curso normal, freqüentado apenas por duas alunas. Assim descreve o presidente: “Presentemente só a Escóla Normal estabelecida no Collegio Nossa Senhora da Penha é freqüentado. Por D. Gliceria Maria de Souza Magalhães, que está no 2.° anno, e D. Rosa Maria Pinto da Victoria, que é ouvinte do 1.° anno” (PEIXOTO, 1876, p. 22). Uma das razões para a diminuta procura pelo curso normal talvez esteja nas condições de estudo e na baixa remuneração que os professores que freqüentavam a instituição recebiam da Província. Declara o presidente em seu relatório: “Os alumnos mestres, e alumnas mestras, que freqüentarem a Escóla Normal, sejão interinos ou effectivos tem direito unicamente a metade do ordenado, e não percebem mais gratificação alguma” (PEIXOTO, 1876, p. 22).

Como é possível perceber, além da dificuldade de obter professores efetivos para ocupar as cadeiras do segundo ano do curso normal, também havia o obstáculo colocado aos interessados nesse ensino, pela Província, de ter seus salários diminuídos à metade, além da perda das gratificações, quaisquer que tenham havido, pelas horas de estudos realizadas na escola normal.

Ao relatar suas atividades no primeiro ano como presidente da Província do Espírito Santo, em 1877, Antonio Joaquim de Miranda Nogueira da Gama, em seu relatório, pede autorização à Assembléia Provincial para reformar o ensino do Ateneu Provincial e da Escola Nossa Senhora da Penha, transformando as duas instituições em escolas normais, divididas cada uma em dois níveis, uma denominada de ensino primário e a segunda de ensino secundário. O curso completo duraria cinco anos. O Quadro 2, a seguir, apresenta a estrutura do que seria o curso completo do Ateneu Provincial.

1.º ANNO. 2.ª ANNO. 3.º ANNO. 4.º ANNO. 5.º ANNO.
Lingua Nacional;

Lingua Latina;

Lingua Franceza.

Lingua Nacional;

Lingua Franceza;

Lingua Latina.

Lingua Latina;

Lingua Ingleza

Geographia;

Lingua Ingleza;

Historia;

Arithmetica e Algebra

Historia

Philosophia

Geographia e Trigonometria;

Rhetorica.

QUADRO 2 – MATÉRIAS ENSINADAS NO ATENEU PROVINCIAL EM 1877

Fonte: Gama (1877a, p. 8).

 

De acordo com Antonio Joaquim de Miranda Nogueira da Gama, os alunos que terminassem os estudos, previstos em cinco anos, teriam direito de ingressar no funcionalismo público. Declara o presidente: “Adoptando-se o presente plano fica abrangido todo o ensino da Escóla Normal, e o alumno que, percorrendo este estadio, fôr approvado plenamente em toda as materias, receberá um titulo, que lhe dá ingresso ao funccionalismo, independente de curso” (GAMA, 1877a, p. 8).

Pelas matérias oferecidas, percebe-se que o Ateneu Provincial, reorganizado como escola normal, ainda conservaria suas características de instituição que continuava a realizar a formação dos alunos que buscavam ingressar em um curso superior, por intermédio dos exames de preparatórios. Os alunos que não quisessem ou não tivessem condições de concluir o curso que os habilitaria ao funcionalismo público poderiam cursar apenas algumas matérias que poderiam capacitá-los ao ensino nas aulas de primeiras letras. Declara o presidente:

 

Os [alunos] que apenas quiserem se dedicar ao magisterio do ensino primario, teráo um titulo de alumno mestre do Atheneu Provincial, habilitando-se nas seguintes materias.

Ensino primario.

Lingua Nacional e Litteratura.

Arithmetica.

Noções sumarias de Geometria.

Geometria.

Historia Sagrada e do Brazil.

Lingua Franceza.

Noçõesde Philosophia comprehendendo as idéas fundamentaes da moral (GAMA, 1877a, p. 8).

 

O Colégio Nossa Senhora da Penha, também transformado em uma escola normal, seria dividido em dois cursos, mas, nesse caso, realizado apenas em dois anos. A instituição abrangeria as matérias, conforme o Quadro 3, a seguir:

1.º ANNO. 2.º ANNO.
Lingua Portugueza, Orthographia, Franceza, Arithmetica até proporções, Musica e Piano. Lingua Portugueza, Franceza, Noções Geraes de Geographia, Historia Sagrada e do Brasil, Piano, e Canto.

QUADRO 3 – MATÉRIAS ENSINADAS NO COLÉGIO NOSSA SENHORA DA PENHA EM 1877

Fonte: Gama (1877a, p. 8).

 

O primeiro ano corresponderia ao ensino primário, já o segundo ano, ao ensino secundário. Propõe Antonio Joaquim de Miranda Nogueira da Gama que as estudantes que realizassem os estudos nos dois anos previstos para o término do curso teriam “[…] direito a um diploma de alumna mestra do referido collegio, o qual lhe dará direito ao magisterio publico” (GAMA, 1877a, p. 8).

No ano de 1877, estavam matriculadas na escola normal feminina, anexa ao Colégio Nossa Senhora da Penha, apenas “[…] 7 alumnas, que a frequentão, sendo no 1.º anno 4, e no 2.º 3” (GAMA, 1877a, p. 8). Se existiam alunos matriculados no ensino normal, no ano de 1877, não há registro nos relatórios. Aparentemente, a situação era a mesma de 1875, quando se verificou uma diminuição na freqüência das alunas e a inexistência de alunos matriculados no curso normal. Antonio Joaquim de Miranda Nogueira da Gama, em novo relatório, ao deixar o governo da Província, informa que a escola normal havia sido desativada durante o seu governo. Declara no relatório:

 

Extincção — Tendo o Art. 23 da lei Provincial n.º 14 de 27 de Abril ultimo, revogado o Regulamento de 20 de Fevereiro de 1873, exceptuando apenas os Arts. 29, 128. 130, 131, 149, 150, 152, 153, 155, 156, 201, 223 e 224, que mandou vigorar, considerando que entre as diversas disposições revogadas d’aquelle Regulamento acha-se comprehendido o que creou a Escóla Normal, (art. 157) […] (GAMA, 1877b, p. 7).

 

Não se explicam, no relatório, as razões para a desativação da escola normal, mas talvez um dos fatores tenha sido a baixa procura por alunos dispostos a se preparar para o Magistério pela freqüência a uma instituição voltada para a formação de professores e, como já havia sido exposto, a falta de incentivos financeiros para os professores já concursados ou que atuavam como interinos nas escolas primárias. Com a desativação da escola normal, pede-se novamente que se formem professores para o ensino primário, valendo-se da instituição dos professores adjuntos. Ao discutir a necessidade de aumentar o número de professores para suprir as aulas vagas na Capital e no interior, Manoel da Silva Mafra, presidente da Província, em 1878, advoga: “Julgo tambem conveniente a creação de professores adjuntos nas escolas, em que for grande o numero de alumnos. É um meio, na falta de escola normal, de ir preparando mestres” (MAFRA, 1878, p. 33).

Somente no ano de 1882 se volta a discutir a abertura de uma escola normal para a preparação dos professores, para o ensino nas escolas primárias, da Província do Espírito Santo, quando um grupo de deputados provinciais, liderados por Eliseu de Sousa Martins, debate na Assembléia o regulamento para a reforma da instrução pública.

Esse é o esboço da situação em que se encontrava o Espírito Santo, no final da década de 1870 e início da década de 1880, em relação ao debate relacionado com os modelos pedagógicos em circulação e com a necessidade do ensino primário e sobre a formação de professores para as escolas públicas da Província.

Em um percurso de, pelo menos, cinqüenta anos, muitas foram as experiências introduzidas no Espírito Santo para formar e qualificar o professor para a docência. Não existia uma forma consolidada e estabelecida para preparar os docentes para as escolas de primeiras letras. Os administradores da Província e os deputados provinciais estavam buscando meios que satisfizessem as necessidades da Província em relação à instrução pública. Tinham autonomia para fazer as experiências com os modelos pedagógicos. O Ato Adicional, de 12 de agosto de 1834, garantia essa liberdade.

 

Considerações finais

O modo como os presidentes e deputados provinciais lidavam com as demandas da instrução pública, mediante os usos, apropriações e transformações dos modelos pedagógicos, em um primeiro momento, faz pensar que todo esse processo de debates intermináveis ? sobre qual o melhor método a ser adotado para formar os professores, as características que deveriam possuir as instituições de formação para a docência, sobre o sentido da educação primária e sobre a forma da escola ? não passa de discussões vazias, que tudo era uma grande confusão, ou que os homens do século XIX estão perdidos, sem saber qual o melhor caminho a seguir para resolver os problemas da instrução pública. Tal sensação se deve ao fato de vivermos em um momento em que a forma escolar e os valores associados à escolarização já estão sedimentados ou, como afirma Carvalho (2003), naturalizados. Dificilmente se escapa à tentação, inconsciente ou não, de olhar o passado com os olhos do presente e julgar as experiências e os discursos produzidos anteriormente ao nosso tempo. Essa operação não deixa ver que os homens do século XIX estão definindo o que hoje compreendemos como escola, sua função social e sobre o papel do professor nessa instituição. É um momento de transição em que as decisões estão sendo tomadas e o nosso futuro projetado com base na escolha dos modelos a serem seguidos, ou apropriados, no processo de modernização do Brasil e de suas instituições.

A apropriação dos modelos que circulavam como referência teórico-metodológica para a realização das experiências de formação e os produtos resultantes das práticas de apropriação dos padrões pedagógicos, como foi apresentado pelo presidente da Província, Luiz Antonio Fernandes Pinheiro, em 1869, eram positivos para o ensino. Não havia constrangimentos em misturar os métodos de ensino, estabelecer as possíveis alianças entre as formas para produzir algo novo, misto e eclético, desde que fosse para o bom aproveitamento dos alunos.

As experiências educativas, percebidas como desacertos e não como invenções, tanto em relação aos projetos de formação de professores, quanto aos usos que são feitos dos métodos de ensino, impedem que se perceba que a realidade é dinâmica e que a institucionalização da forma escolar é um processo lento, produzido com base em imposições, mas também com negociações e usos dos saberes que circulam e se materializam na forma de práticas de ensino. Importa perceber, conforme Carvalho (2003), que a escola é um produto de práticas que configura e, ao mesmo tempo, é configurada pelas experiências e pelas demandas de escolarização.

 

Referências

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CARVALHO, Antonio Alves de Souza Relatorio que o exm. dr. Antonio Alves de Souza Carvalho ex. presidente da provincia do Espirito Santo passou a administração da mesma ao exm. dr. João da Costa Lima e Castro primeiro vice-presidente no dia 11 de Março de 1861. Victoria: Typ. Capitaniense, 1861.

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CHARTIER, Roger. A história cultural:entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.

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SILVA, João Thomé da. Falla dirigida a Assembléa Legislativa Provincial pelo exm. sr. presidente da provincia do Espirito Santo, dr. João Thomé da Silva, em occasião da abertura de sua sessão ordinaria, que teve lugar no dia 10 de setembro de 1873. Victoria: Typ. do Espirito-Santense, 1874.

VELLOSO, Pedro Leão. Relatorio com que o exm. sr. commendador Pedro Leão Velloso, ex-presidente da provincia do Espirito Santo, passou a administração da mesma provincia ao exm. sr. commendador José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim, segundo vice-presidente, no dia 14 de abril de 1860; acompanhado do relatorio e appensos com que o mesmo exm. sr. vice-presidente fez a abertura da assembléa legislativa provincial no dia 24 de maio do corrente anno; e do officio com que passou a administração da provincia ao exm. sr. dr. Antonio Alves de Sousa Carvalho. Victoria: Typ. Capitaniense, 1860b.

VELLOSO, Pedro Leão. Relatorio do presidente da provincia do Espirito Santo, o bacharel Pedro Leão Velloso, na abertura da assembléa legislativa provincial no dia 25 de maio de 1859a. Victoria: Typ. Capitaniense, 1859a.

VILLELA, Heloisa de Oliveira Santos. Da palmatória à lanterna mágica: a Escola Normal da Província do Rio de Janeiro entre o artesanato e a formação profissional (1868-1876). 2002. 291 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História e Historiografia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.

 

Notas



[1] Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física (http://www.proteoria.org/).

[2] Ver Chartier (1990) em A história cultural: entre práticas e representações.

[3] Pela Constituição Politica do Império do Brasil de 1824 1 (1846, p. 36), prescrevia-se no Capítulo V, no Art. 77 que “Todos os annos haverá sessão, e durará dous mezes, podendo prorrogar-se por mais um mez, se nisso convier a maioria do conselho”.

[4] Os destinatários dos relatórios eram, em um primeiro momento, os deputados da Assembléia Legislativa Provincial e, em um segundo momento, a Assembléia-Geral, os ministros do Império e o Imperador.

[5] Em 1840, o presidente da Província, José Joaquim Machado de Oliveira, constata que havia um baixíssimo aproveitamento dos alunos. Credita essa situação ao modelo escolar adotado na primeira escolar primária da Capital. Descreve que a instrução era oferecida como base no ensino individual em uma classe imensa, em que o professor não dava conta de atender a todos que dele tinham necessidade. Como se pode perceber, o método de ensino individual ainda era empregado na Província, mesmo que, em 1827, por intermédio da Lei da Instrução Pública, se preconizasse a adoção do método Lancarter em todos os estabelecimentos de ensino. Constata que esse ensino individual era empregado em conjunto com o ensino mútuo, situação que lhe causou assombro, pois o professor não conseguia lidar com as dificuldades que a junção dos dois métodos gerava.

[6] Em 1848, o então presidente da Província, Luiz Pedreira do Couto Ferraz, ao avaliar o ensino oferecido no Espírito Santo, observa que a situação não lhe era agradável, mas, em meio à falta de aptidão que verificava na maioria dos professores, faltaria “[…] porêmá justiça se deixasse de trazer […] [ao] conhecimento, que o mesmo mal não se observa em igual intensidade na capital. Brilhantes forão os exames porque publicamente passarão em dezembro do anno proximo findo, os alumnos da 2. ª cadeira de 1.ªs letras a cargo do professor Manoel Ferreira das Neves” (FERRAZ, 1848, p. 16).

[7] O professor José Ortiz, contratado para ensinar na “[…] 2.ª cadeira de 1ªs lettras dessa Capital actualmente encarregado da regencia da escola normal. Este professor deixando sua importante familia e interesses de ordem mais elevado no Rio Grande do Sul, pondo de lado as aspirações a que tinha direito pela educação litteraria que recebera entrega-se com ardor ao ensino de 1ªs lettras e arrastando pela força da vocação guia com especial e nunca desmentido zelo da instrucção da infância” (PEREIRA JUNIOR, 1862, p. 29).

[8] “O Lycêo creado pela Lei n.º 4 de 24 de Julho de 1843 e installado com bons auspicios a 25 de Abril de 1854, já não existe!” (MATTOS, 1865, p.13). Posteriormente é reaberto, nas mesmas dependências, o Colégio do Espírito Santo, em que o professor José Ortiz passa a ministrar as aulas de primeiras letras.

[9] Os professores designados para reger as cadeiras do primeiro ano do curso, da escola normal, eram professores do Ateneu Provincial. Já para reger as cadeiras do segundo ano, os professores eram contratados como interinos. No relatório do presidente da Província, em 1874, Luiz Eugenio Horta Barbosa informa: que a escola normal está funcionando “[…] em uma das salas do Atheneu Provincial, vai produzindo vantagens, que, com quanto não compensem ainda os onus de seu estabelecimento, com tudo presagião lisongeiros resultados, para os quaes ha de poderosamente concorrer a proficiencia dos Professores. Dos alumnos de ambos os sexos matriculados no anno proximo passado, forão aprovados cinco, e reprovados, dois. Regem as cadeiras do 1º anno o Dr. Florencio Francisco Gonçalves [professor de Filosofia do Ateneu] e o Rvd. P.º José Gomes do Azambuja Meirelles [professor de Retórica do Ateneu]. As cadeiras do 2.º anno são preenchidas interinamente pelos cidadãos Manoel Hermenegildo Xavier de Moraes e Manoel Augusto da Silveira. Matricularão -se no anno corrente 4 alumnos e 4 alumnas” (BARBOSA, 1874, p. 15).

Texto originalmente publicado em: SCHNEIDER, O. O modelo escolar de formação de professores no Espírito Santo: uma insituição em transição no século XIX. In: V Congresso Brasileiro de História da Educação, 2008, Aracaju. O ensino e a pesquisa em História da Educação. Aracaju: UNIT, 2008. v. 1. p. 1-15.

 

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